quinta-feira, 14 de setembro de 2017

AS PROPRIEDADES DA ESPOSA

As três religiões dividem uma fé inabalável na importância do casamento e da vida familiar. Elas também concordam na liderança do marido sobre a família. No entanto, diferenças gritantes existem entre as três religiões, com relação aos limites dessa liderança. A tradição judaico-cristã, diferente do Islam, virtualmente estende a liderança do marido até o direito de posse de sua esposa.

A tradição judaica, com referência ao papel do marido em relação a sua esposa, origina-se do conceito de que ele a possui como sua escrava (1). Este conceito foi a razão que norteou o padrão duplo nas leis do adultério e na capacidade de o marido anular os juramentos de sua esposa. Este conceito foi também o responsável para se negar à esposa qualquer controle sobre sua propriedade ou ganhos. Assim que a mulher judia se casava, ela perdia completamente qualquer controle sobre sua propriedade e ganhos para o seu marido. Os rabinos judeus afirmavam que o direito do marido sobre a propriedade de sua esposa era um corolário de sua posse sobre ela: "Desde que alguém entre na posse da mulher não deveria entrar na posse de sua propriedade também?" , e "Desde que ele tenha adquirido a mulher, não deve ele adquirir sua propriedade também?" (2). Assim, o casamento determinava que a mulher mais rica ficasse praticamente sem um tostão. O Talmud descreve a situação financeira da esposa como se segue:

"Como pode uma mulher ter alguma coisa; o que quer que seja dela, pertence ao seu marido? O que é dele é dele e o que é dela é também dele ... Seus ganhos, e o que ela possa encontrar nas ruas, também são dele. Os artigos domésticos, mesmo as migalhas de pão sobre a mesa, são dele. Ter um convidado em sua casa e alimentá-lo é roubar de seu marido ..." (San. 71a, Git. 62a.). 

A questão é que a propriedade da mulher judia significava atrair pretendentes. A família judia fixava para sua filha uma quota representativa do estado de seu pai, a ser usada como dote em caso de casamento. Era este dote que tornava as filhas judias um peso inoportuno para seus pais. O pai tinha que educar sua filha por anos e então prepará- la para o casamento, providenciando um grande dote. Assim, a moça na família judia era uma obrigação e não um direito (3). Esta responsabilidade explica por que o nascimento de uma filha não era celebrado com alegria nas antigas sociedades judias (ver a seção "Filhas Vergonhosas?". O dote era o presente de casamento apresentado ao noivo sob os termos de contrato. O marido agia como o proprietário do dote mas não podia vendê-lo. A noiva perdia qualquer controle sobre o dote no momento do casamento. Além disso, esperava-se dela trabalhar após o casamento e todos os seus ganhos tinham que ir par seu marido, como paga por sua manutenção, a qual era obrigação dele. Ela poderia ter de volta sua propriedade somente em duas situações: divórcio ou a morte do marido. Se ela morresse primeiro, ele herdaria sua propriedade. No caso da morte do marido, a esposa poderia retomar sua propriedade de antes do casamento, mas não se habilitava a herdar qualquer cota de propriedade do marido falecido. Deve-se acrescentar que o noivo também tinha que apresentar seu presente de casamento à noiva, contudo, de novo, ele era praticamente o proprietário deste presente enquanto eles permanecessem casados. (4).

 O cristianismo, até recentemente, seguiu a mesma tradição judaica. No império cristão romano (após Constantino), tanto as autoridades civis como as religiosas, exigiam um acordo sobre a propriedade, como condição para o reconhecimento do casamento. As famílias ofereciam às suas filhas aumento dos dotes e, como resultado, os homens tendiam a se casar mais cedo, enquanto que as famílias retardavam o casamento delas até o máximo. (5). Pela lei canônica, uma esposa se habilitava à restituição de seu dote se o casamento fosse anulado, a menos que ela fosse culpada de adultério. Neste caso, ela perdia seu direito ao dote, o qual permanecia nas mãos do marido (6). Pelas leis canônica e civil, uma mulher casada, na Europa cristã e na América, até o final do séc. XIX e início do séc. XX, perdia os direitos a sua propriedade. Os direitos da mulher inglesa, por exemplo, foram compilados e publicados em l632.

Estes "direitos" incluíam: "Aquilo que o marido possui é seu. Aquilo que a esposa tem é do marido" (7)

A esposa não somente perdia sua propriedade após o casamento, como perdia sua personalidade também. Nenhum ato jurídico dela tinha valor legal. Seu marido podia repudiar qualquer compra ou presente feito por ela como sendo nulo de qualquer valor legal. A pessoa com quem ela tivesse contratado era tomado como um criminoso por ter participado de uma fraude. Além disso, ela não podia processar, sequer seu marido, nem ser processada (8). Uma mulher casada era praticamente tratada como uma criança aos olhos da lei. A esposa simplesmente pertencia a seu marido e, por isso, ela perdia sua propriedade, sua personalidade jurídica e seu nome de família (9).

 O Islam, desde o séc. VII d.C, garantiu às mulheres casadas personalidade independente, conquista essa que as mulheres ocidentais se viram privadas até muito recentemente. No Islam, a noiva e sua família não têm obrigação de presentear o noivo. A moça, numa família muçulmana, não é responsável. Uma mulher é tão dignificada no Islam que ela não precisa presentear ninguém, a fim de atrair maridos em potencial. É o noivo que precisa presentear a noiva com um presente de casamento. Este presente é considerado sua propriedade e, nem o noivo nem a família da noiva têm qualquer direito ou controle sobre tal presente. Em algumas sociedades muçulmanas de hoje, um presente de casamento no valor de US$100.000,00 não é incomum (10). A noiva fica com o seu presente de casamento, mesmo que mais tarde ela se divorcie. Não é permitida a participação do marido na propriedade de sua esposa, a não ser que ela a ofereça a ele por sua livre e espontânea vontade (11). O Alcorão estabelece sua posição a esse respeito muito claramente:

"E concedei os dotes que pertencem às mulheres; mas se elas, de boa vontade, conceder-vos uma parte, aceitai-o e desfrutai-o com bom proveito" (4:4).

A propriedade e os ganhos da esposa estão sob seu completo controle e para seu uso somente, uma vez que a sua manutenção e a das crianças é responsabilidade do marido (12). Não importa quão rica seja a esposa, ela não é obrigada a agir como co-provedora para a família, a menos que, voluntariamente, escolha fazê-lo. O casal herda entre si. Além disso, uma mulher casada no Islam conserva sua personalidade legal independente e o nome se sua família (13). Um juiz americano, certa vez, comentando sobre os direitos das mulheres muçulmanas, disse: "Uma muçulmana pode se casar 10 vezes, mas sua individualidade não é absorvida pela de seus vários maridos. Ela é um planeta solar, com um nome e uma personalidade jurídica própria" (14).

Fonte: A mulher no Islam المراه في الإسلام

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Louis M. Epstein, The Jewish Marriage Contract (New York: Arno Press, 1973) p. 149. 
2. Swidler, op. cit., p. 142. 
3. Epstein, op. cit., pp. 164-165. 
4. Ibid., pp. 112-113. Ver também Priesand, op. cit., p. 15. 
5. James A. Brundage, Law, Sex, and Christian Society in Medieval Europe (Chicago: University of Chicago Press, 1987) p. 88. 
6. Ibid., p. 480. 
7. R. Thompson, Women in Stuart England and America (London: Routledge & Kegan Paul, 1974) p. 162. 
8. Mary Murray, The Law of the Father (London: Routledge, 1995) p. 67. 
9. Gage, op. cit., p. 143. 
10. Por exemplo, ver Jeffrey Lang, Struggling to Surrender, (Beltsville, MD: Amana Publications, 1994) p. 167. 
11. Elsayyed Sabiq, Fiqh al Sunnah (Cairo: Darul Fatah lile'lam AlArabi, 11th edition, 1994), vol. 2, pp. 218-229.
12. Abdel-Haleem Abu Shuqqa, Tahreer al Mar'aa fi Asr al Risala (Kuwait: Dar al Qalam, 1990) pp. 109-112. 
13. Leila Badawi, "Islam", in Jean Holm and John Bowker, ed., Women in Religion (London: Pinter Publishers, 1994) p. 102. 
14. Amir H. Siddiqi, Studies in Islamic History (Karachi: Jamiyatul Falah Publications, 3rd edition, 1967) p. 138.

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